20.7.07

Só eu

Fui ao Algarve, o sítio mais lindo de Portugal, e sei lá porquê sou convidada para ir a um jantar a casa de uns suíços (eu sei que ninguém conhece suíços, mas eu conheci, vejam lá), amigos de uma amiga que é amiga de uns amigos. "Jantar Casual", dizia o convite por e-mail. Apesar de não gostar muito destas coisas, acabei por ir, mais para fazer companhia aos nossos amigos alemães que estavam cá de passagem e que tinham mesmo de ir ao tal jantar "casual".
Claro que chegámos atrasados, não fossemos nós tugas. No portão da casa estava um sr. gordíssimo, todo vestido de preto que disse que podia estacionar o nosso carro. Tudo bem. Damos-lhe a chave e entramos na casa onde somos recebidos por um casal simpático, os donos da casa, que sabiam o nosso nome e que estavam há meia hora à nossa espera, não fossem eles suíços. "Hello R, please to meet you!" disse o dono da casa mal me viu. Cumprimentamos os srs meios abananados pelo facto de eles saberem o nosso nome e seguimos para a sala onde encontramos uma mesa repleta de presentes com cartões a dizer "Happy Birthday". Era o 70º aniversário do sr e nós nem um parabéns lhe demos! Flop total! (Quem nos convidou, a tal amiga dos nossos amigos, não quis dizer a ninguém que era um aniversário para ter a certeza que nós íamos mesmo à festa). Toda em godés (que é como quem diz toda destruída por dentro) sigo para o jardim sempre a sorrir para os convidados que de "casual" não tinham nada. Ao todo eram uns cinquenta, quase todos suíços, quase todos chiques, quase todos à nossa espera.
O ambiente não tinha descrição possível: mesas à volta da piscina com lugares marcados, menus escritos em alemão, criados mais bem vestidos que nós a servir em bandejas, cadeiras com laçarotes encarnados gigantes, vista para o mar, uma banda de jazz a tocar ao vivo. Um filme do Woody Allen. "Were is the murder?", perguntou-me o meu amigo alemão que também estava espantado com o "tipo" de festa. Os donos da casa - que estavam mesmo à nossa espera para começar o jantar - sobem umas escadas e começam a ler uns papéis (de quase 10 minutos) onde dizia que se amavam e que gostavam muito de viver um com o outro há mais de 15 anos. No momento mais emocionante do discurso, o telemóvel da sra que estava mesmo ao meu lado desata a tocar (num alto som polifónico) uma música de hip-hop tuga, com aquelas letras inenarráveis do género: "Miúda, gosto de ti, és linda, vem para aqui!" A festa inteira congelou a olhar para mim. A sra do telemóvel continuou impávida e serena como se não fosse nada com ela. Eu, que não tinha nada a ver com o assunto, mas como tinha ar de freak, fui nitidamente dada como culpada por um erro que não cometi. Outro flop! O telemóvel lá se calou, o discurso lá acabou com um beijo e uma salva de palmas e o jantar começou a ser servido. Na minha mesa, mesmo à minha frente, ficou uma tia cultural de Lisboa que falava mesmo à tia e que ficou entusiasmadíssima com o meu nome: "R. Cabrith, é estrangeira?", perguntou. "Não, enganaram-se a escrever", respondi. Desilusão total para a tia.
Ao lado do meu amigo alemão ficou um sr com 60 anos que passou o jantar todo a falar das doenças que tem desde há 20 anos e dos seus tratamentos respectivamente. Ninguém conhecia ninguém e todos faziam um esforço incrível para conversar sobre futilidades. Desde o tempo aos sítios onde se janta bem no Algarve, ali falou-se de tudo um pouco. O trivial reinou naquele jantar. A comida, toda ela suíça, variava entre uns molhos cheios de colesterol e a salsicha, tudo muito bem embrulhado e empiriquitado a parecer chique.
Mal terminou o jantar, cantou-se os parabéns e as pessoas começaram logo a despedir-se. Já tinham picado o ponto. Estava agora na hora de ir embora.
Como o X. ficou a falar com um fotógrafo que já conhecia, os donos da casa fizeram questão de nos dizer que tinham tido um prazer enorme em receber-nos - basicamente estavam a mandar-nos embora, numa maneira tão delicada que só no final é que reparámos.
Saímos da casa todos em godés e fomos com os nossos amigos beber caipirinhas. Só eu.

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2 Comments:

At 7:34 da manhã, Anonymous Anónimo said...

A história parece um bocadinho a fugir para o surreal. Mas está muito bem escrita. R. é de Rita?

 
At 3:11 da tarde, Blogger 1de30 said...

Obrigada pelo elogio, mas juro que é tudo verdade, apesar de parecer surreal. Vá se lá saber porque é que nos acontecem coisas assim! O R. é de Rascunho, o nome que assino no blog. As outras trintonas do blog chamam-se Sémis e Piranga (os nossos nomes são sinónimos de incício, meio e fim - respectivamente - uma está no inicio dos 30, outra no meio e outra - desculpa Piranga! - está no fim dos 30). Se apareceres mais vezes vais ver que o surreal vai estar sempre bem presente nestas nossas histórias bem reais...:-) R.

 

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