27.2.07

Consultório Sentimental de uma Tia [1]

Uma cunhada em apuros
Ela estava esfuziante. Tinha encontrado o “homem da minha vida”. Da vida dela, claro. Ele era alto, charmoso, advogado, trinta e tal, atencioso. Um apartamento bem decorado. Cheio de panos indianos, dependurados das paredes, e velas. Adora crianças e quer ser pai. Levava-a a passear e a jantar em restaurantes requintados. Estavam apaixonados. Apresentou-a à família, mãe, irmãs e algumas amigas, num jantar idealizado por ele. Leitmotiv: Índia. Ela também o apresenta à sua família. E à ex-cunhada. Observação da mãe: “Ele é muito superficial.” Observação da filha de 15 anos da ex-cunhada: “Ó mãe, ele fala muito com as mãos.” A paixão no auge. Ele convida-a para ir com ele à Índia. Outra das suas paixões. Ausência de notícias. Segunda-feira passada, reaparece. Chorosa. A viagem correu mais ou menos. Ele parece desinteressado. Quinta-feira, telefona. “Reatámos”. Fase de reconciliação. Hoje, desespera. Precisa falar, urgente, com a ex-cunhada. Não é que o piqueno levou as irmãs e a própria mãe para o fim-de-semana-romântico-de-reconciliação. Este namoro tem dois meses. Dilema de cunhada. Como é que eu vou dizer isto à rapariga. Ela não lê os sinais. Solteiro, charmoso, galante, vive sozinho, cheio de amigas, adora a própria mãe. Tem panos pendurados. No pico da paixão, onde é suposto só pensar-se em pinar, convida a “amada” para ir à Índia? Índia. Quem é que vai dar umas valentes trancadas para a Índia? Ele, claro. E com rapazinhos a cheirar a caril. E depois, desculpem-me lá, estamos a falar de uma “relação” de dois meses. Dois. Quem é que em dois meses fala de “relação” e de “reconciliação”, já para não falar no “reatámos”. O que é que eu vou dizer à rapariga, que quer ir lá casa, chorar-se?

Rascunho da Tia Ó querida, diga-lhe só: O querido é pa-ne-lei-ro. Paneleiro. E a menina tem esta opção. Fica com o querido, que até é querido, até terem um filho. Ele quer e a menina está com aquela mania do relógio biológico, e o tempo a passar, tic-tac, tic-tac. O querido vai ser bom pai. Vai pagar a pensão e cumprir com os fins-de-semana e férias. A querida até lá, dorme com ele e com outros. E ele, consigo e com eles. A querida satisfaz o relógio biológico e o querido a vontade de ter um filho. Separam-se e ficam amigos para sempre.

Resposta da tia depois de três rascunhos Ó querida ex-cunhada, não esteja a perder o seu precioso tempo com ex-cunhadas lacrimosas. Diga-lhe: A querida que fique a chorar-se com a ilusão de que perdeu o seu grande amor e que vai ficar para tia, como a irmãzinha, que é linda como a Maria Bethânia. A menina sabe tão bem quanto eu que isso são balelas. E não me diga que a querida não sabia. Confesse, a menina sempre soube. Queria o filho, queria passear-se com o pai da criança, o apartamento e a ilusão de estar a viver uma vida como a menina a imaginou. Depois, logo se via. Arranjava um grande final. Piedoso. E, mais uma vez, toda a gente ficava compadecida da sua dor e a espantar-se com os homens. Mas não. A menina não conseguiu. A menina até para viver uma ilusão é inapta. Aposto que a primeira coisa que fez, foi passar a viver no apartamento. E a segunda, foi de certeza, fazer gracinhas com os “paninhos indianos” à laia de que “homens não percebem muito de decoração.” Acertei? Claro que a tia acertou. Olhe, sabe do que a menina precisa? Do inspector Bruno. Eu tenho uma amiga que pode dar-lhe o número do telemóvel.

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