Sonhos obsecantes

Quadrados e bolas assaltam-me as ideias. Fundem-se, desdobram-se. Falam “par” mim: «bola é redonda, quadrado pica, recto é direito, enrolado é torto». Os quadrados transformam-se em quadros, as bolas em caras. Caras, caras de crianças. Um jogo com caras. Um t-shirt cor-de-laranja. Cara chinesa, cara índia, cara mulata, cara preta... Irra, sempre igual. Todos diferentes, todos iguais. Caras com sardas, com óculos, com bandolete. Cabelos compridos, cabelos curtos, encaracolados, franja, totós. Risos. Gargalhadas. Sorrisos. É festa. É para o dia das crianças. Tem que ter cor. Tem que estar pronto. Cor? Preto e branco? E lá vêm os quadrados, e as bolas, e as linhas rectas, e as linhas curvas... «Parece que engoliste uma vassoura...», «Corcunda!» – responde o quadrado. Elipses, hipérboles, prismas, ângulos rectos, esferas, berlindes... «Picassa!» – diz a espiral, «furacão!», responde o desenho cúbico. Direito, recto, austero, inflexível, duro, entumecido, aprumado, desempanado, erecto, hirto, levantado, teso, directo, empertigado, estável, vertical: sinónimos para as linhas rectas. Curvatura, volta, dobra, esquina, enrosca, esconde, engana, enrodilha, embrulhada, rosca... palavras para as linhas curvas. «O mundo é redondo!», «Vórtice!» ou «Vórtex»!, a fruta é redonda – o pecado original, a roda, redoma, buracos. A cruz, o «xis da questão!», alicerces, pontes, equador, casas, vigas, suportes... Encaixes, desenhos, figuras. Kubrick, Woody Allen, Almodover, «Vertigo» de Hitchcok, Mondrian, Picasso, Braque, Miró, Groucho Marx, Anita Ekberg, Linda Lovelace...

Eu vejo tudo em quadrado [e bolas], remoto controle... urgente.