23.12.08

Sudexpress

Fui a Hendaye e regressei no Sudexpress, um comboio cheio de emigrantes destruídos, na maioria homens, a cheirar a álcool e a suor, com falta de dentes, com problemas de saúde e de solidão. Homens que dividem quartos com outros homens, que trabalham nas obras, em fábricas, em quintas e em todos os trabalhos duros que os franceses não querem fazer. Homens com saudades das mulheres e dos filhos que deixaram em Portugal e que é por eles e para eles que trabalham e vivem longe. Homens tristes e sacrificados. Homens que choram.
Também haviam as famílias. Famílias de emigrantes cheias de filhos que não sabem falar uma palavra de português. Famílias que ficavam felizes por nos verem ali, por também sermos portugueses, por estarmos ali com eles, a filmá-los, a dar-lhes atenção. 
Todos queriam ser ouvidos. Falavam da crise com um pesar maior do que o dos noticiários da tvi. Falavam de França numa mistura de rancor e agradecimento. "A França", diziam todos. "A França", assim, no feminino, como se de uma mulher se tratasse. "A França é boa",  "a França ajuda muita gente", "foi graças à França" que conseguiram "pôr os filhos a estudar". Mas "a França" também é o sítio onde não queriam viver, o sítio que lhes tirou a família, o sítio que lhes tirou Portugal. Foram para "a França" "por obrigação", "para ter uma vida melhor", "para poder criar os filhos". Em Portugal isso seria impossível.
Os portugueses que viajam no Sudexpress não falam português, não falam francês. Falam uma salganhada que às vezes não se entende. Mas sabem bem o que gostariam dizer. Têm "mais anos de França do que de Portugal". Tiveram a oportunidade de se nacionalizar franceses, mas não quiseram porque acima de tudo sentem-se portugueses. Apenas e só. 
Portugueses que tiveram uma vida miserável em Portugal, que se viram obrigados a sair do país para não passarem fome e que, apesar de tudo isso, é a esse mesmo Portugal que regressam todos os anos cheios de saudade. É a esse Portugal que sonham um dia regressar. Os filhos pródigos de Portugal.

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