Para a Elle Driver e para as "maibelhas"
A minha Jamaica.
Depois dos 30 uma mulher deixa de ter problemas com o passado (que é como quem diz com presente e com o futuro). Quer dizer, depois dos 30 deixamos de ter problemas com o que quer que seja. Não estamos nem aí, como dizem os brasileiros. A auto-estima fica lá bem em cima. Para o melhor e para o pior. Não temos nada a perder. E se perdermos que se lixe!
Depois dos 30 deixamos de ter vergonha, assumimos tudo. Velas que afinal de contas são chaca-zulos, paixões secretas por cromos amantes de gatos, paixões secretas por velhinhos que tomam capilé quando o que se quer mesmo é o menu completo, até assumimos paixões secretas por mitras de Chelas e Cristianos Ronaldos que dizem "aleijar, fostes e fizestes".
Depois dos 30 a palavra secreta(o) deixa de fazer sentido. Confessamos tudo e mais alguma coisa. Até sonhos eróticos com Harry Potters, com Franciscos Louçãs e com gajos dos Ena Pá 2000. Depois dos trinta ficamos incontinentes. Cerebrais e verbais. Pensamos e contamos tudo a toda a gente comós malucos. (Como diz a Tia Sémis)
Por isso, chegou a hora de vos contar mais um episódio da minha vida.
Quando eu era "mainoba" pertenci a um grupo de reggae. Podem rir à vontade. O vocalista da banda era um rasta mais velho, muito "cool" e muito "legalize it", que não se cansava de dizer aos músicos: "Isto é mais tipo "roots", topas?" Desde então que o "tipo roots, topas" entrava sempre nas nossas conversas para finalizar qualquer conclusão.
O percussionista andava sempre com uma broa descomunal que o fazia delirar e improvisar solos que não existiam no meio das músicas. Só parava quando a banda inteira ficava calada e congelada a olhar para ele. Estão a ver o manã-manã dos marretas? Era mais ou menos assim.
O guitarrista, que nunca lhe vi os olhos por causa de uma franja brutal empalhada em gel, sonhava que um dia ia pertencer aos Oasis e, por isso, os sons que ele tirava da guitarra nunca tinha nada a ver com o resto da banda.
O meu amigo B. (que vocês acham sexy) era o baixista da banda. Como vocês sabem neste tipo de música é o baixista que marca o ritmo das músicas. É claro que o B. nunca acertava com o ritmo, tamanho era o tapa na pantera.
Eu era "back vocals" (podem rir à vontade) juntamente com a J., uma "sista" rasta que, tal como eu, desafinava pelos cotovelos e que tinha o cérebro todo queimadinho pela "kaia". (Quem vai à Jamaica tem de saber o que é kaia).
Com um baixista arrítmico, com um guitarrista armado em brit pop star, com umas "back vocals" completamente desafinadas e com um percussionista em delírio permanente, nenhuma música da banda funcionava. Mas isso não interessava nada: éramos felizes e a kaia era sempre muita e boa.
As letras, escritas pelo vocalista, eram do melhor que há: "O povo anda à toa, pelas ruas de Lisboa" (Nós éramos de Coimbra :-/) "Para quê tanta poluição, oh Jah, Jah, para quê tanta frustração, Ho Jah, Jah". Eu e a queimadita cantávamos a parte do "Ho Jah, Jah". E havia também aquela: "Live in peace, its my hobbie, who want live like me, just follow my way!" Esta era o "hit" do grupo. Estão a ver o panorama?
Fizemos concertos à séria, digressões, sessões de improvisação. etc. Actuámos no Jardim da Sereia, na Praça da República, nos bares mais "cool" de Coimbra e arredores. Há filmagens (que um dia tenho de recuperar), talvez fotos.
Além de cantar (ou julgar que cantava), tocava uma matraca enorme que agora, a olhar para trás, o instrumento musical só me faz lembrar um chaca-zulo. Mas naquela altura o meu cérebro ainda não fazia estas associações de trintona em ebulição.
Tinha 20 anos e era uma rasta "tipo roots, topas?". Usava tranças e flores no cabelo, túnicas coloridas e desbotadas e andava sempre com tamanho tapa na pantera que nem "vos lo digo" (Como diz a "maibelha").
E agora vem a melhor parte (agora é que podem mesmo rir à vontade): nessa altura o meu sonho era ir à Jamaica...
Beijos às "maibelhas" e à Elle Driver, que são as amigas mais divertidas do mundo.
Eu sei que vocês me querem muito convosco nas vossas férias. Se eu tivesse dinheiro juro que ia com vocês à Jamaica. Não tendo, fico cá para ouvir as vossas histórias...
PS: Para se quiserem espreitar a página do grupo que este grupo deu origem. (Os filhos do vocalista são tão lindos! Fico em godés)
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