28.2.07

Realize os seus sonhos

No dia em que fiz 33 anos, ia a andar na rua e, de repente, o meu olhar chocou com uma capa duma revista que dizia em letras gigantes: “Realize os seus sonhos”. Aquela frase entrou na minha cabeça como um aviso. Seria aquilo um sinal? O destino a tentar dizer-me que eu estava a deixar passar a minha vida sem ter realizado metade dos meus sonhos? A vida a tentar abrir-me os olhos?
A frase não me saía a cabeça. "Realize os seus sonhos."
Fui beber café com a minha irmã que me deu os parabéns e que começou a falar como uma matraca. Ela falava, falava, falava e eu não a ouvia. Só ouvia a frase. "Realize os seus sonhos."
E comecei a pensar nos sonhos da minha vida. Os sonhos que tenho desde criança, desde sempre, desde ontem.
No metro, de regresso a casa, comecei a fazer uma lista no meu caderno. Tipo lista de supermercado. Uma lista que eu me comprometia a realizar até aos 35.
Ter um filho.
Ir a Moçambique, o sítio onde nasci.
Ir a Zanzibar, o sitio que sempre sonhei ir com o R.
Fazer o filme que ando a adiar há um ano ou mais.
Ter uma casa com uma grande mesa de jantar e terraço.
Ir num elevador com o Leonardo Dicaprio e com o Cristiano Ronaldo. Pronto, um dos sonhos tem de ser estapafúrdio!
A lista estava feita. Não era muita coisa, talvez nem fosse grande coisa, mas era a minha lista. Eu estava orgulhosa.
"Realize os seus sonhos." A frase assaltava-me agora na voz da gravação que anunciava as paragens do metro. À medida que ia relendo a lista ouvi a mesma voz a dizer: "Próxima paragem: Zanzibar."
Depois senti-me estúpida. Lista de sonhos? Lista de sonhos é para atrasados mentais! Achas que algum dia vais conseguir realizar algum destes sonhos desta lista estúpida?
Quando saí do metro amarrotei o papel e deitei-o no lixo da paragem do 35, o autocarro que me leva até casa quando não ando com o carro.
Enquanto esperava pelo 35, fui invadida por um mal estar. Fiquei arrependida de ter deitado a lista fora. Aquilo perturbou-me. Aos 33 anos, na paragem do 35 com os sonhos no caixote do lixo.
Deve dar azar deitar sonhos para o lixo, pensei. Mas agora não podia meter a mão no caixote e recuperar os sonhos. Nem pensar.
Depois senti-me ridícula. Não podia estar a ser assim tão supersticiosa. Até porque as superstições não se inventam. Já existem e pronto. Quando chegar a casa vou fazer uma nova lista, prometi. Sem falta.
No autocarro sentei-me ao lado de um casal de velhotes que não parava de embirrar um com o outro. Quer dizer, a mulher não parava de embirrar com o marido. Um clássico. Enquanto eles discutiam ouvia a voz da revista, a voz do metro: "Realize os seus sonhos." A velhota não parava de chatear o velhote. "Já foste tratar da fechadura?", perguntava ela num tom inquisidor. "Ainda não", respondia o velhote num tom entediado e resignado. "Realize os seus sonhos." "E telefonaste ao teu filho?" "Ainda não". "Realize os seus sonhos."
A discussão daquele casal fez-me lembrar a minha lista. Já tens um filho? Ainda não. "Realize os seus sonhos." Já foste a Moçambique? Ainda não. "Realize os seus sonhos."
O meu lado inquisidor era tão obsessivo quanto o da velhota do autocarro e o meu lado entediante tão resignado quanto o do velhote.
"Realize os seus sonhos."
Sim, porque todas as pessoas têm sonhos. E os meus até nem são muitos nem muito ambiciosos.
Ter um filho. E se ele aos 15 quiser ir aos acampamentos do bloco de esquerda? Ou se ele for pró-Bush?
Ir a Moçambique, conhecer a minha terra. Mas como é que posso ir lá de férias, armada em burguesa, enquanto aquelas pessoas vivem na miséria?
Ir a Zanzibar. Mas como é que eu posso ir a África sem ir ao sítio onde nasci?
Ter uma casa com uma grande mesa de jantar e terraço. Mas como é que eu posso mudar de casa, para uma casa mais cara, e ter condições para criar um filho e viajar? E como é que posso ter um filho se quero viajar?
"Realize os seus sonhos."
De repente apercebi-me que era eu quem estava a bloquear os meus próprios sonhos. Acreditava e no minuto a seguir deixava de acreditar. Eu era a inimiga número um. A vida a dar-me sinais e eu a empatá-los.
O único sonho da lista ao qual não levantei problema nenhum foi o do elevador com o Cristiano e o Dicaprio. Ironicamente, o único sonho impossível.
Quando cheguei a casa voltei a fazer a lista, agora por ordem de prioridades:
Primeiro arranjar a casa e fazer o tal filme que ando a adiar. Depois ir a Moçambique e a Zanzibar e só depois ter o filho.
Entretanto, sempre que entrar num elevador vou tremer por dentro e acreditar que Cristiano e Dicaprio poderão lá estar. Porque nunca se sabe quando é que um sonho nos bate à porta, do elevador, neste caso.

PS: Tia Sémis e Piranga: desculpem este registo mais sério, mas isto de ter um blog também pode servir de terapia ou não?

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2 Comments:

At 1:07 da tarde, Blogger 1de30 said...

claro que sim!!!
um dos meus sonhos também se passa num elevador, mas com o Brad Pit e o George Clooney... ficamos bipolares, mas muito felizes. Desejo que todos os teus sonhos se realizem. bjs Piranga (não é piranha)

 
At 2:14 da tarde, Blogger 1de30 said...

Desculpa amiga Piranga. De tanto brincar com a Piranha que ela saiu-me mesmo sem querer.
Hoje é quinta feira santa! ;-)
Bjs
R.

 

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