O (des)concerto da platina
Eu até queria ir ao concerto das CSS, mas as mais velhas disseram que afinal já não iam e eu comecei a “cortar-me” temendo que a Elle Driver me abandonasse nos seus périplos de repórter estrábica pelos bastidores do Lux.
O meu concerto ou (des)concerto começou mais cedo, ao fim da tarde, na rua, em frente à porta do meu prédio, com a minha vizinha Driver a ameaçar-me cuspir em cima por não ter opinião própria. “A culpa é das mais velhas”, argumentei em hipócrita cobarde e fugi. Mas as mais velhas afinal vieram e eu afinal mudei de ideias e afinal decidi ir também. Afinal eu sou assim. Cuspam-me em cima à vontade.
Mal chegaram foram logo dar no tapa na pantera, como se a vida fosse para toda a vida. E eu dei também. Fruting. Estão a ver aquelas pessoas que têm uma opinião sobre tudo, aquelas pessoas que convidamos para jantar no restaurante X e dizem logo: ”esse não que tem uma luz péssima”? Estão a ver aquelas pessoas cheias de certezas e opiniões? Que argumentam e discordam e fundamentam e levam a sua avante? Pois bem, eu não sou nada assim. Sou uma Maria-vai-com-as-outras. E eu fui.
Dez segundos depois (que na minha cabeça pareceram dez horas) estava na cozinha da minha vizinha em frente a uma mesa cheia de migalhas, papéis, talheres, chávenas, açúcar e com a platina a “desfalecer-me”. “Não podemos ir sóbrias para aquele concerto!”, dizia a mais velha já a desfibrilar-se também. A mais velha tinha razão. Só assim é que eu ia conseguir estar no meio da multidão sem atrofiar. Tapa na pantera. Fui. Fui e vi terreiros na casa da mais velha com fumo e músicas de feitiçaria. Vi “swachs” (os relógios) a andarem na rua em vez de “smarts” (os carros). Vi pés medievais (vi mesmo!) a fazerem de candelabro. Vi muita coisa. Tanta que o meu cérebro começava a desintegar-se. Estava incontinente cerebral. Era esse o meu problema.
“Café”, disse a tia. Café deve-me fazer bem, pensei eu. Café, café. E o café demorava eternidades a sair. “Esta é da boa!”, dizia a Driver a rir-se com o secador do cabelo em punho. O barulho da máquina do café, o barulho do secador do cabelo, o barulho do cd das CSS a tocar, o barulho das gargalhadas das irmãs mais velhas, muito barulho, mais um barulho e o meu cérebro rebentava. “Café”, serviu a tia. E o café saiu. E eu bebi o café na esperança que o tapa na pantera me passasse. Nada. De repente já estava nas urgências do São José, naquelas cadeiras de plástico deprimentes a ouvir o meu nome no altifalante: “Rascunho: dirija-se ao Raio X!” Nada.
Na sala da Driver atirei-me à bricolage, porque a noite ainda era uma criança e tínhamos de estar preparadas para o que desse e viesse. Na bricolage tudo era complicado. Não sabia onde estava a linha (desculpa mais velha), não sabia onde estava agulha, não dava com nada, mesmo que estivesse ali na minha mão. O meu cérebro tinha-se demitido das suas funções, mas eu insistia em fazer bricolage, enquanto não íamos ao concerto das “sexy chulas”, como dizia a mais velha, a única que não podia beber. Fruting.
“Mais uma e já não vamos a lado nenhum”, dizia a Tia tristíssima por ter de abandonar o sofá, que ainda por cima vira cama num instante. Telefone a tocar músicas polifónicas. Paco Rabane. Esté Lauden. Dolce Gabana, porra! Driver a atender telefonemas e à procura do cinzeiro com o cinzeiro na mão. Eu, a nódoa da bricolage, a rir-me dela. Mais telefonemas. Muitos telefonemas. Telefonemas que não eram das tias Ninis que ligam sempre nas horas mais impróprias. “Sim, sim, os bilhetes estão comigo. Estou a sair de casa,” dizia ainda sentada no sofá. “Mais uma e não vamos a lado nenhum”, balbuciava a tia entre os dentes.
“Máquina fotográfica! Vou ter de fotografar o concerto, não acredito!”, exclamava a Driver com o olho no visor. Gravador, caneta, papel. Tarde demais, esqueceu-se de tudo. Nada de importante. "Tens mais sorte que juízo", já dizia a minha mãe. Na parte de trás do carro da mais velha sentei-me na cadeirinha da criança a tiritar de frio. Pelo caminho batia o dente e a cabeça batia no tejadilho (afinal não sou assim tão baixa). Mas já não ia sair daquela posição de destaque, não fosse o arrumador do lux julgar que eu era tão anã como as minhas amigas (o que é a mais pura das verdades).
Dentro do lux pessoas conhecidas. Tapa na pantera. Pessoas que nunca vejo. Tapa na pantera. Pessoas que vejo às vezes. Tapa na pantera. Pessoas que nunca vi. Tapa na pantera. Pessoas que não quero ver mais. “Are iu tóki to mi, ior mai friend, mi frend ove iu.” A técnica da Tia é infalível. Sim, porque com o tapa na pantera falar com conhecidos é mais ou menos experimentar uma língua que não se domina.
Filas para casacos, muitos casacos, fumo, filas para o concerto, escadas, muitas escadas. Tudo escuro. Luzes. Gajos altos, gajas altas e eu 1m54, putas. Estrunfes, camafeus, ninfas fadinhas, elvis, vampiros, “xutos” e pontapés e eu ainda com o tapa na pantera. Fruting.
“É nestas alturas que não sei se vale a pena ir aos figos ou aos morangos”, disse-me um gajo de 1,90m a rir-se da minha altura. Tapa na pantera. “Vamos ao bar”, gritavam as mais velhas. Eu fui e atirei-me à água fresca que me sobe pela alma. E, quando o concerto estava mesmo mesmo para começar, voltei a mim, já mais calma, muito calma, calma demais até. O resto, a tia conta no post de baixo, pois a partir daí atrofiei “do" cérebro e no palco Cansei de Ser Sexy. Afinal fiz tudo ao contrário: depois de tanta coisa, estava sóbria no meio da multidão…
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2 Comments:
A casa da vizinha com "uma mesa cheia de migalhas, papéis, talheres, chávenas, açúcar"... O lixo que não estava separado, a sujeira e a desarrumação. Eu sei que sou um caso perdido e não sou nada TIA, afinal. Resposta a isto em breve no próprio do meu blog!!!
Mori... fomos nós que desarrumamos a tua mesa da cozinha. Pronto a migalhita já lá tava, mas o açúcar e o resto fomos nós. :-) Não te preocupes com as lides domésticas que, quando menos esperamos, há sempre uma carochinha dentro de nós. E um joão ratão (Vendo bem, esta histíria não acaba bem..!?)
;-)
[R]
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