11.3.08

O medo de existir

Fui ao Norte passar o fim-de-semana. [Acho piada dizer ir ao Norte, como se fosse um sítio específico, mas tanto pode ser Vila Real como Vila do Conde.] Fui e voltei. Antes de ir olhei para o blog, respirei fundo, escrevi três linhas e apaguei tudo. O blog estava morto, cinzento, ninguém tinha nada para dizer. Melhor: estávamos todas com medo de dizer o que queríamos dizer, pois o que queríamos dizer poderia ferir alguma susceptibilidade entre os que nos lêem: os outros. Quando voltei de fim-de-semana nem se quer fui logo ao blog. Achava que permanecia na mesma como a lesma. Mas não. Encontrei um blog com uma atitude diferente, sem papas na língua [adoro esta expressão], sem medos.
Tudo isto fez-me lembrar um postal que o meu pai enviou à minha irmã de Moçambique – ele teve de ficar lá mais um ano, até 1975. O postal tinha a fotografia de um leão destemido e na parte de trás dizia: «Querida filha: Como vai a vida em Portugal? Gostas da casa do teu avô? Já fizeste novos amigos? Os manos estão bons? A tua mãe disse-me que ultimamente andas chateada com as pessoas da aldeia. Que no outro dia mandaste uma senhora à merda quando ela apenas te disse que era "pecado usar uma mini-saia assim tão curta". Filha... é muito feio dizer merda. Merda é uma palavra que não se pode dizer nem escrever. Quem diz merda é mal-educado. Uma menina linda como tu não diz merda. Merda é muito grave. Merda é pecado. Merda fica mal. Merda nem vem no dicionário. Nunca digas merda, prometes? E promete que não mandas mais ninguém à merda quando te falam de coisas tão sérias quanto o pecado de usar mini-saias. Um grande beiji... Merda, acabou-se-me a esferográfica! Saudades, Pai.»
Na altura, a minha irmã só tinha 2 anos, ainda não sabia ler. O propósito deste postal era fazer rir a minha mãe que andava mesmo chateada com o que as pessoas diziam na aldeia – uma aldeia muito pequena perto de Coimbra –, porque ficaram chocadas com as suas mini-saias e por ela ter ousado mandar à merda uma senhora que lhe disse que «era pecado mortal usar mini-saia». Por causa dessa merda toda, andavam a dizer mal e houve mesmo quem dissesse que a minha mãe tinha voltado «endemoniada de África». Anos 70. Portugal profundo. Portugal dos pequeninos.
O nosso blog é agora a mini-saia da minha mãe – um pecado. Mortal, por sinal. Segundo os senhores da verdade, da moral e da ética: este blog e nós, as meninas, personificamos o pior que há neste país, neste Portugal. E por causa disto tudo só me apetece acrescentar uma citação de um escritor português: «O ressentimento e o ódio alimentavam o queixume, num discurso recorrente até à exaustão: “este país é uma merda”, “está entregue aos bichos”, etc. E, de cada vez, o sujeito da enunciação excluía-se do conjunto nomeado, como se lhe não pertencesse».
E mais não digo. Há quinta esta quinta? Tenho saudades das minhas amigas.

Etiquetas: