Tens de fazer um
Páscoa. Fim-de-semana com a família do X. Entramos felizes e contentes na casa da tia mais velha. Cumprimentamos os tios e primos do X. Em cima da mesa enorme da cozinha a minha mousse de chocolate preferida, o meu pão-de-ló preferido, o meu pudim de café preferido. Quando me estou a atirar ao pudim, a tia Ju lança a tão esperada pergunta: "Então e vocês quando é que fazem um?" Ainda pensei que a tia se estivesse a referir ao pudim, mas não, estava a falar de filhos mesmo. Faço o sorriso 352, amarelo como de costume e tento mudar de assunto. "A tia tem de me dar a receita do pudim moca". Mas a tia não queria saber de pudins. Nem de mocas. A tia só queria falar de bebés. "Agora só faltam vocês!", atira a tia ao ar. E pronto, lá se foi a vontade de comer pudins e pão-de-ló. Não é todos os dias que temos uma mesa cheia de família e doces a olharem para nós à espera de uma resposta que, por mais que me custe, não consigo dar. Tento mudar de assunto. "Uma pessoa chega aqui e só come". Silêncio. A expectativa aumenta. Quatro tios, três tias, seis primos e muitos bebés a olharem fixados para nós (mais para mim do que para o X a acharem que a culpa é toda minha) e eu a engolir o meu pudim preferido a todo o custo. Até que chega a pergunta mais perturbante: "Já estás com que idade, Rascunho?" E aí o meu chão desabou. Entre mim as tias, os doces e os bebés um fosse enorme. Sim já estou "na idade" de ter filhos e daí??? Que interessa estar "na idade", se eu ainda não me sinto "na idade"??
Vou para perto da lareira. Sento-me. Ao meu ao lado a prima grávida de 8 meses. Perseguição. "Tens de fazer um bebé para brincar com a priminha", diz a prima a bater com a mão na barriga descomunal. "É um bocado incomodativo para o final, mas é uma sensação muito boa estar grávida", diz a prima toda inchada "Está a dar pontapés", exclama. A minha taquicardia aumenta. Será que um dia vou ter uma barriga daquelas enorme e inchada? Será que um dia vou ter um ser dentro de mim, tipo "alien" a dar-me pontapés e a esmagar-me os órgãos? Pânico é o que eu sinto só de pensar nisso. Muito pânico. Haverá doença para isto? Fobia à gravidez. É isso que eu tenho.
Tento fugir da mesa dos tios, dos doces, dos bebés, das grávidas e dos pontapés. Vou para a sala. No sofá está a cunhada a dar de mamar à bebé de 23 dias. Nesta casa não tenho escapatória possível. Em todo o lado há um bebé, uma grávida ou uma criança a chamar a atenção. Fico a olhar para a bebé a sugar a mamã da cunhada com uma velocidade impressionante. E a pergunta tinha de vir: "Quando é que fazes um?" A pressão familiar é tramada. Parece que combinam fazerem todos a mesma pergunta. Sorrio para não ter de responder o clássico "não sei" ou o já batido "um dia destes". A cunhada olha fixamente para a bebé. "Custa um bocado, mas é uma sensação tão boa dar de mamar. Quando tiveres o teu tenta dar-lhe leite de peito que é o melhor leite para os bebés", diz a recém-mamã feliz e disforme. "Leite de peito"? Será que um dia vou dar "leite de peito"? Será que um dia vou ter um ser a sugar-me as maminhas? Pânico. Muito pânico.
Vou para o jardim. Os miúdos estão a andar de patins. Peço uns emprestados. Há anos que não ando nisto, pensei. A Clara e a Sofia (11 e 9 anos) ajudam-me a equilibrar-me. Estou a conseguir. Já não me lembrava como era bom andar de patins. Vamos as três a rir quando ouço um tio a gritar: "Tens de fazer um para depois brincares com ele!". É claro que caí dos patins. É claro que não quis andar mais.
Passei o resto do fim-de-semana em zoobie a olhar para fraldas cheias de cocó amarelo, bicos de maminhas gretados, bebés a gritarem com fome, com gazes, com sono. Um fim-de-semana rodeada de miúdos aos gritos, a espancarem-se por tudo e por nada, a fazerem queixinhas a todo o instante. Um fim-de-semana com pais a discutirem porque "a menina tem fome" ou porque "ainda não mudaste a fralda ao menino" ou porque são seis da manhã e "a bebé já quer mamar outra vez". Um fim-de-semana rodeada de filhos e eu sempre a pensar no quanto é bom regressar a casa e não ter nenhuma fralda com cocó para mudar, nenhuma papa para fazer e nenhuma gritaria à minha volta.
Eu sei que não sei nada da vida e sei que deve ser muito bom ter filhos. Mas enquanto não os tenho também sei que é bom não os ter.
Etiquetas: [R]
2 Comments:
No filme, "Um casamento atribulado" (de e com Allan Cumming e Jennifer Jason Leigh), a minha personagem favorita (a mulher do Kevin Klein no filme e na vida real) diz exactamente aquilo que eu penso quando penso em ter filhos. Quando virem vão entender-me...
[R] em godés........................
Não vi o filme (ainda) mas estou contigo e com ela também!
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