Lembram-se dos vossos tios e tias? E dos rótulos de a tia “querida”, o “antipático”, a “forreta”, o “bacoco dos dentes tortos”, a “beata”, a dos sermões, o “chato”, a “retrógrada”, a “virgem”, a “pirosa”, o “bimbo”, o que come de boca aberta, o “porreiro”, o que até percebe de música, a que nos dava cigarros às escondidas, etc... lembram-se? Pois esqueçam lá isso. Nós somos agora essa geração. A dos tios. A geração do meio. A geração meio-cota. A geração que tem que tomar conta dos filhos e sobrinhos e dos tios, dos pais e dos avós. A geração que tenta ser “porreira” e “moderna” para os mais novos e “digna” de confissões e revelações para os mais velhos. A geração entalada. É duro mas é verdade. Cabe-nos agora levar os tios e pais ao médico, animar os avós, ouvir e opinar sobre “as histórias de família”, organizar as “festas”, fazer “as conversas”, receber os convidados. Ouvir, incomodados, o “outro lado” das ditas histórias, mas agora na primeira pessoa. “Ouvir-nos” dar conselhos aos ditos “adultos”, aos mais velhos. Escutar, embaraçados, as confissões mais pecaminosas ou mesmo de carisma sexual, daqueles que nem conseguíamos imaginar em tais propósitos. Ou pior, revelarem-nos os “nossos” rótulos - alguns dos quais nunca escaparemos, mesmo que demonstremos o oposto [é como o sexo anal... uma vez permitido, nunca mais querem deixar de lá ir], e aqueles que eles agora acham injustos. Aqueles precisamente de que não concordamos. Isto tudo, assim, de repente. Sem aviso prévio, de um dia para o outro. Estaremos preparados, melhor, dispostos? Eu não. Ainda me falta muito para essa disciplina. Para o controlo. Auto-controle. Caraças. Eu ainda não sei o que quero ser quando for grande. Há coisas que fazemos inatamente, como fingir que os mais novos não fumam e que não damos pelo assalto ao nosso maço de cigarros; fazer discursos e cara feia sobre a maconha quando o que nos apetece é roubar-lhes um bocado; ser complacente com as suas “desgraças” e “infelicidades”. Apaparicar os mais velhos, disciplinarmo-nos o mínimo para os visitar, telefonar, lembrar; ter conversas “adultas”; fechar os olhos, fingir que não ouvimos, agrafar a boca. Agora outras, como cumprir horários de médicos e medicamentos, ter que dizer à tia ou mãe de sessenta anos para não “fechar o balaio” - o sexo ainda vale a pena e o que ela nunca teve foi uma queca à altura, ou mesmo, um orgasmo; ter de participar nas tricas familiares e por vezes tomar partido; ter que ter uma opinião e um partido... sinceramente, ainda não me sinto abalizada. Mas tem que ser. Calha a todos. A vida é assim e anda assim, em círculos.
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