Na minha família é só “quadrinhos” de miséria. E, para perceberem bem a coisa vou passar a descrever um a um cada personagem.
Na família da minha mãe tenho: Uma tia hipocondríaca que passa a vida nos hospitais; Um tio bipolar que se auto-internou várias vezes, e que faz telefonemas de uma hora (onde nos lê vários artigos do Público e dá a sua opinião); Outro tio ninfomaníaco que se atira a tudo o que é mulher e conta todos os pormenores nos jantares de Natal (de ménages a sei lá); Uma tia viciada em jogo e compras e que já não aparece há anos a não ser para pedir dinheiro, almofadas e mantas para se ir matar; Nesta família há um primo que nunca conheci; duas primas que rezam terços na missa, que se orgulham de terem casado virgens e andam ao despique para ver quem é que tem o carro e a casa mais caros; Uma prima ninfomaníaca que só fala de rapazes desde os oito (filha do tal tio ninfomaníaco); E duas primas e um primo que nunca assumiram a sua homossexualidade e que falam em namorados como se alguém acreditasse nisso (agora a mais nova – a minha prima preferida – já se assumiu); Havia também um tio-avô viciado no jogo que gastou a fortuna toda no casino e uma tia-avó (mulher deste) que ficou louca com tanto stress – coitada – uma “espécie” de Alzheimer, diziam os médicos. Sempre que a ia visitar, encontrava-a à procura do sal na cama ou das chávenas do chá no frigorífico.
Na minha família mesmo tenho: Uma mãe que, agora depois de velhinha, até é bem disposta e divertida, mas passou a vida toda deprimida e encharcada em comprimidos (os quais a minha irmã roubava e ia parar ao hospital vezes sem conta para fazer lavagens ao estômago); Um irmão “nerd” que nunca saía de casa e só jogava xadrez; E outro que se meteu à frente de um computador e nunca mais de lá saiu; A tal irmã dos comprimidos era a melhor aluna da turma – a filha exemplar –, até ao dia em que chegou a casa completamente punk e a dar nas drogas químicas durante um ano; Um pai mitómano, que em todas as histórias foi sempre o melhor, o herói, o campeão (no ténis, no rugby, na natação, na vela, em tudo), que acha que domina todos os assuntos (desde a física nuclear ao Torrão de Alicante) e que põe as pessoas congeladas a olhar para ele (o que o ajuda a achar que sabe mesmo muito mais do que os outros, pois conclui que deixa as pessoas sem argumentos); Já para não falar de mim, o “quadrinho” que vocês conhecem, que aos 18 comecei a ter ataques de pânico, e de tanto os meus pais me levarem ao hospital decidiram, em desespero, deixar-me lá... (Sim, na ala de psiquiatria, a pensar que nunca mais da lá ia sair – tipo filme) e que perco metade do meu tempo com medo de tudo e mais alguma coisa e “em xenical”.
Pensavam que isto era mau? Esperem até ver o “quadrinho” maior: a família do meu pai: Do pai já falei, o tal mitómano que eu amo do fundo do coração, sempre bem disposto, o professor que todos os meus amigos adoravam. O meu pai foi sempre um “expert” em tudo, especialmente em jornalismo (telefonava-me a dar dicas sobre o ouro nazi, dicas que só ele entendia e não percebia como é que eu não «agarrava aquela cacha»). Agora que mudei de profissão, está sempre a dar-me ideias para documentários “espectaculares!” Apesar de tudo, o meu pai teve o bom senso de nos proibir ter qualquer tipo de contacto com esta família que aí vem, que é a dele. (Portanto vou falar-vos de pessoas que vi uma ou duas vezes na vida e que por acaso são meus familiares).
Vejam só: Os tios, irmãos do meu pai, um estava senil e não queria viver no norte (em casa do filho), longe da sua terra (Alentejo), um dia saiu de casa e nunca mais voltou... Até hoje. Durante meses o meu pai correu Portugal e Espanha com a fotografia dele; O outro tio deixou de falar com os outros irmãos por causa das heranças e morreu sem fazer as pazes com ninguém; A única tia levava tareias do marido alcoólico e quando ele morreu chorou baba e ranho pela falta que lhe fazia. Depois os filhos meteram-na em tribunal por ter “roubado” os próprios filhos (vendeu tudo o que tinham antes do marido morrer e passou para o nome dela); Os filhos dela também são uma desgraça: à mais velha a segurança social tirou-lhe os filhos; a outra deixou morrer o filho afogado na piscina (na mesma piscina onde depois, mais tarde, morreu outro primo da mais velha); outra teve um filho deficiente porque ela e o marido bebiam; outro primo é doente-ciumento e a mulher teve de fugir com as filhas para aquelas casas SOS vítima; outro é agarrado à heroína, ainda vive com a mãe e rouba tudo lá de casa para comprar droga.
Estão a ver bem? Depois admirem-se que eu esteja sempre em “drama, tragédia, e horror”.
E isto para vos dizer que, apesar de toda esta desgraça, a minha família nunca – mas nunca – se meteu na minha vida. Apesar de todos estes problemas, nunca houve nenhuma intriga sobre mim, os meus irmãos ou quem quer que fosse, nenhum mal entendido, nenhuma mentira, nada. Ninguém se chateou com ninguém. Achávamos que já havia problemas suficientes (para quê inventar novos?) e sempre nos demos todos bem. Os meus pais são os primeiros a apoiarem-nos em tudo e “estão lá” sempre que é preciso. Nós também estamos com eles sempre que precisam. Quando ficam doentes, lá vamos à vez e ao fim-de-semana (somos quatro, dá para ir um uma vez por mês). Ninguém na minha família leu ou lê o meu blog. Se alguém leu ou lê nunca teceu comentário ou fez julgamento sobre o que quer que fosse. Porque – apesar de tudo – cada um vive a sua vida sem se meter na vida dos outros e, acima de tudo, respeitando a vida e as opção dos outros. Estamos muitas vezes juntos, telefonamos sempre que um de nós tem um problema, preocupamo-nos, visitamo-nos, estamos lá nos aniversários, natais e festas e, todos os anos, em Setembro, fazemos um fim-de-semana todos juntos.
Depois de saber o que se passa nas famílias que eu conheço, cheguei à conclusão de que eu amo a minha família. Do fundo do coração. Apesar do “quadrinho”.
Ps: voltei em grande, desculpem...Etiquetas: [R]